PAPUA OCIDENTAL COMO TIMOR LESTE? – Notícias Cristãs
2 de setembro de 2023No dia 16 de Março, dois manifestantes (ou pelo menos os confirmados, mas suspeita-se que sejam mais) foram mortos pela polícia no distrito de Yahukimo (na parte ocidental da ilha da Nova Guiné, aquela ocupada pela Indonésia). Houve também dezenas de feridos.
A população protestava contra a recente reforma administrativa que entrará em vigor sem sequer consultar as comunidades indígenas. Isto envolve o estabelecimento de novas províncias na região e há uma suspeita bem fundamentada de que, na realidade, o objectivo principal é reforçar ainda mais o controlo exercido pelo governo central. Além de Papua, os protestos também atingiram Jacarta, capital da Indonésia.
Há décadas que uma verdadeira “insurreição permanente” de natureza independente tem estado activa nesta parte da Papua. Uma rebelião que começou na década de 1960, quando Jacarta assumiu arbitrariamente o controle da região, uma ex-colônia holandesa. Estima-se que só em 2019 pelo menos vinte pessoas morreram durante manifestações reprimidas pela polícia indonésia. Na altura, os protestos eclodiram principalmente devido ao racismo aberto contra os estudantes papuas na cidade de Surabaya.
Em relatórios recentes dos relatores da ONU Francisco Cali Tzay (Direitos dos povos indígenas), Morris Tidball-Binz (Execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias) e Cecilia Jimenez-Damary (Direitos humanos dos deslocados internos) a “deterioração da situação dos direitos humanos “foi denunciado nas províncias indonésias de Papua e Papua Ocidental”.
Com “abusos chocantes contra os papuas indígenas, incluindo assassinatos de crianças, desaparecimentos, tortura e deslocamento em massa de pessoas”.
Em particular, relataram ter recebido queixas entre Abril e Maio de 2021 sobre “vários casos de execuções extrajudiciais, incluindo crianças pequenas, desaparecimentos forçados, tortura e tratamento desumano, e a deslocação forçada de pelo menos 5.000 papuas indígenas pelas forças de segurança”. Na quase total indiferença, diga-se, da opinião pública internacional.
Desde Dezembro de 2018, o clima de violência (e consequentemente também o número global de pessoas deslocadas internamente: estima-se entre 60.000 e 100.000 pessoas) tem vindo a aumentar.
Até à data, a maioria das pessoas deslocadas na Papua Ocidental não regressou às suas casas devido à presença constante das forças de segurança e aos confrontos armados recorrentes. Milhares de aldeões se refugiaram nas florestas. Contudo expostos ao clima rigoroso das terras altas e com grande dificuldade em encontrar alimentos (com consequente desnutrição generalizada). Sem falar na quase inexistência de cuidados de saúde e na impossibilidade de atividades educativas para as crianças.
A ajuda humanitária, já escassa, está a ser ainda mais dificultada pelas autoridades indonésias. Incluindo os da Cruz Vermelha e associações de inspiração religiosa.
A situação agravou-se ainda mais com o assassinato de um soldado de alta patente (Brigadeiro General Gusti Putu Danny Karma Nugraba, responsável pela inteligência indonésia na região ocupada), pelo Exército de Libertação Nacional da Papua Ocidental (Tentara Pembebasan Nasional Papua Barat – TPN-PB). em 25 de Abril de 2021. Poucos dias antes, o movimento de independência tinha executado três alegados colaboradores (definidos como “espiões indonésios”).
A partir desse momento, o presidente indonésio, Joko Jokowi Widoto, ordenou explicitamente “perseguir e prender (eufemismo: na realidade a maioria é executada no local – nota do editor) todos os militantes armados”. Ao mesmo tempo, o presidente da Assembleia Consultiva do Povo Indonésio, Bambang Soesatyo (nomina sunt omina!) apelou ao “esmagar os rebeldes”.
Em seguida, adicione “destrua-os primeiro. Falaremos sobre a questão dos direitos humanos mais tarde.”
De acordo com o manual, os militares interpretaram a directiva literalmente, prendendo, matando e torturando dezenas de pessoas que geralmente nada tinham a ver com a resistência armada do TPN-PB, que se acredita ser o braço armado do Movimento Papua Livre (Organisasi Papua Merdeka – OPM). Entre os casos documentados mais graves, o assassinato, a 26 de Outubro de 2021, de duas crianças, de 2 e 6 anos, durante o ataque a uma aldeia suspeita de acolher a guerrilha. Várias forças de elite indonésias estão actualmente a operar na Papua Ocidental, incluindo o bem conhecido e infame Kopassus, já responsável por repetidos massacres no vale de Baliem (1977-78) e na ilha de Biak (1998). Além disso, a Indonésia enviou outros 400 soldados de elite conhecidos como pasukan setan (nada menos que Forças de Satanás) para a região. Já a operar contra a população de Timor-Leste (mas, apesar dos massacres, sem conseguir impedir a sua independência) e contra a de Aceh (neste caso conseguindo forçar a rendição do movimento de libertação).
Eventos amplamente documentados e relatados, embora tardiamente, no ano passado em The Conversation, de Jim Elmslie e Camellia Webb-Gannon (Universidade Australiana de Wollongong) e do activista dos direitos indígenas Ronny Kareni.
Ainda em 1971, os papuas constituíam mais de 96% da população nas duas províncias de Papua e Papua Ocidental (a parte ocidental da ilha, enquanto a parte oriental constitui a independente Papua Nova Guiné). Atualmente, porém, especialmente nos centros urbanos e nas regiões costeiras, as populações indígenas (marginalizadas, expropriadas das suas terras ancestrais) estão reduzidas a menos de metade da população devido à grande migração de colonos indonésios.
Fenômeno que foi definido como um “genocídio em câmera lenta”. As terras expropriadas militarmente são então desmatadas para a criação de minas ou plantações monoculturais de dendezeiros. Entre as futuras devastações esperadas (geralmente consideradas “desenvolvimento e progresso” como antídoto à independência), está a construção de uma auto-estrada que liga a região montanhosa ao litoral. Mais um golpe para a autonomia relativa das populações, bem como para o ambiente natural e a preciosa biodiversidade. Com maior militarização do território, desmatamento, exploração e colonização.
Nos últimos dois ou três anos, a guerra de guerrilha atingiu duramente, matando também cerca de vinte trabalhadores indonésios envolvidos na construção da auto-estrada. Chegando ao ponto de ameaçar atacar não só os militares, mas também os colonos (como tinha sido intencionalmente evitado até agora) se continuassem as operações contra civis papuas.
Numa escalada execrável do conflito.
Gianni Sartori
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